Doação a Museus no Contexto da Autorização de Residência para Investimento (ARI)
A Autorização de Residência para Investimento (ARI), conhecida como Golden Visa, permite que cidadãos de fora da UE obtenham residência em Portugal através de contribuições financeiras que favoreçam o desenvolvimento do país. Após o fim da via imobiliária em 2023, uma das modalidades mais acessíveis é a doação para projectos culturais, incluindo museus e património histórico. Este artigo explica como a doação a museus pode ser utilizada para obter o ARI e indica os requisitos legais e práticos a considerar.
Recorde-se que as principais vantagens do Golden Visa passam pela possibilidade de obter autorização de residência em Portugal extensível ao cônjuge e dependentes, usufruir da livre circulação no espaço Schengen, aceder a serviços como saúde e educação, e beneficiar de um caminho para a naturalização após cinco anos de residência legal. Acresce ainda a exigência mínima de permanência, bastando cumprir sete dias por ano em Portugal.
1. Base legal e enquadramento
A via filantrópica do ARI foi introduzida pela Lei n.º 63/2015, que prevê a elegibilidade de investimentos que apoiem produção artística ou recuperação e manutenção do património cultural. Para se qualificar, o investimento deve:
– Ser um donativo mínimo de €250 000, reduzido para €200 000 quando o projecto cultural se situa em zonas de baixa densidade demográfica.
– Destinar-se a projectos de produção artística (filmes, teatro, música, dança) ou conservação de património (restauro de museus, monumentos, colecções).
– Ser previamente aprovado pelo GEPAC (Gabinete de Estratégia, Planeamento e Avaliação Culturais), organismo dependente do Ministério da Cultura responsável por certificar projectos culturais.
2. Doação para museus: oportunidades e impactos
Doar para museus enquadra-se na vertente de preservação do património cultural. Portugal apresenta um leque diversificado de instituições que beneficiam deste tipo de investimento, abrangendo desde fundações de referência à escala internacional até projetos locais de grande impacto regional.
Exemplos de projectos elegíveis constantes da lista oficial do GEPAC incluem:
Fundação Serralves (Porto) – com iniciativas como “Investir para o futuro – Art at Park” e “Programa de Artes Performativas”, permitindo a dinamização artística e a valorização do património natural e arquitetónico do Parque de Serralves.
Fundação Batalha de Aljubarrota (Leiria) – que promove a reconstituição da paisagem histórica de 1385 e desenvolve trabalhos de arqueologia no campo de batalha, contribuindo para a preservação da memória nacional.
Museus e Monumentos de Portugal, E.P.E. – com programas como “Iter Aequitas – Percurso Universal” em Conímbriga, ou “IAzulejo – Preservação Digital com Inteligência”, que unem tradição e inovação tecnológica.
Fundação Abel e João Lacerda (Caramulo) – criadora do Museu do Caramulo, que atualmente promove a criação de um Museu do Brinquedo, preservando coleções únicas no contexto europeu.
Fundação Ricardo Espírito Santo Silva (Lisboa) – com o projeto de conservação e restauro do Palacete Quinhentista no centro histórico de Évora, exemplo de reabilitação patrimonial em cidades classificadas pela UNESCO.
Fundação Casa de Mateus (Vila Real) – que alia tradição e inovação com oficinas de restauro e fabricação digital e a valorização do seu arquivo histórico.
Fundação Mata do Buçaco (Mealhada) – responsável por iniciativas como “The Enchanted Garden”, que combina património natural, arquitetónico e turístico num espaço de grande relevância ambiental e cultural.
Estas entidades demonstram como a doação cultural pode assumir múltiplas formas – desde a conservação de património arquitetónico e arqueológico até à promoção de eventos artísticos e à digitalização de acervos.
O impacto destas doações é duplo: para o país, representam investimento direto na valorização cultural, turística e económica; para o investidor, permitem aceder a uma via legítima e estruturada de obtenção de residência em Portugal, em linha com a legislação vigente.
3. Processo de candidatura e requisitos
Identificação do projecto – O investidor, normalmente com o apoio de consultores jurídicos, selecciona um museu ou projecto cultural aprovado pelo GEPAC. O GEPAC emite uma declaração confirmando que o projecto cumpre os critérios de impacto cultural e económico.
Contrato de doação – É celebrado um contrato de mecenato entre o investidor e a entidade gestora do museu, detalhando o montante a doar, as fases de execução e as garantias de transparência.
Transferência dos fundos – O capital (≥ €250 000 ou ≥ €200 000 em áreas de baixa densidade) é transferido integralmente para a conta do projecto cultural. A doação é irrevogável e não gera retorno financeiro, devendo ser mantida por cinco anos.
Submissão do pedido – Com o comprovativo de doação, o requerente apresenta a candidatura à Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA).
Emissão e renovação do título – A autorização de residência é válida por dois anos, podendo ser renovada por períodos iguais. O titular deve comprovar estadia mínima em Portugal por sete dias seguidos ou interpolados no primeiro ano e catorze dias, também seguidos ou interpolados, em cada período subsequente de dois anos de validade.
4. Atividades elegíveis segundo o GEPAC
Para efeitos de candidatura, o GEPAC, organismo do Ministério da Cultura responsável pela certificação de projetos culturais, publica periodicamente informação oficial sobre as atividades elegíveis no âmbito da Autorização de Residência para Atividade de Investimento (ARI).
A versão mais recente, datada de outubro de 2025, enumera as áreas culturais que podem ser apoiadas por investidores, incluindo projetos de produção artística e de preservação ou valorização do património histórico e museológico.
Este documento serve como guia para investidores e consultores jurídicos, definindo os critérios de impacto cultural e económico que devem ser cumpridos. Ao preparar a candidatura, o investidor deve assegurar que a doação é enquadrada numa destas atividades elegíveis e devidamente validada pelo GEPAC.
5. Considerações finais
Doar a museus no âmbito do ARI é uma via nobre e eficaz para obter residência em Portugal, contribuindo simultaneamente para a preservação do património. Contudo, trata-se de uma doação sem retorno financeiro; o investidor deve estar ciente de que o capital será dedicado integralmente ao projecto cultural. Recomenda-se:
– Análise criteriosa do projecto: verificar a sustentabilidade do museu e a relevância cultural.
– Assessoria jurídica especializada para garantir conformidade com as exigências do GEPAC e da AIMA.
Ao cumprir estes passos, o investidor não só obtém um título de residência para si e sua família, como também contribui para a valorização do património cultural português, ajudando a consolidar uma rede museológica mais sólida, acessível e alinhada com as exigências do século XXI.
Artigo desenvolvido pelo associado CVSP ADVOGADOS



